Dificuldades de acesso marcam debate sobre medicamentos biológicos, na 2ª Sessão das Innovation Talks

Plataforma Saúde em Diálogo promoveu, com o apoio da AstraZeneca, a segunda sessão das Innovation Talks, desta vez dedicada às terapêuticas biológicas e que decorreu na Ordem dos Farmacêuticos, em Lisboa.

Atualmente há doentes crónicos que continuam a ter dúvidas e dificuldades no acesso a medicamentos biológicos. As disparidades na aprovação entre hospitais, devido aos processos internos de avaliação e aprovação, a desatualização das normas clínicas que preconizam estes tratamentos, a falta de conhecimento sobre estas terapêuticas por parte de doentes e as dificuldades de acesso, principalmente para quem não vive perto dos centros urbanos, foram alguns dos desafios abordados na segunda sessão das Innovation Talks, que decorreu no passado dia 5 na Ordem dos Farmacêuticos, em Lisboa.

As terapêuticas biológicas são medicamentos cujas substâncias ativas são produzidas a partir de células vivas, com recurso a biotecnologia. Este processo de produção difere substancialmente do utilizado na produção dos fármacos convencionais.

Atualmente, são uma das maiores fontes de inovação e desenvolvimento da indústria farmacêutica, tendo permitido o tratamento de doenças incuráveis ou doenças cujos tratamentos convencionais já não permitem uma resposta adequadamelhorando a qualidade de vida das pessoas com doenças autoimunes, doença oncológica, diabetes, entre outras.

A sessão contou com uma apresentação de João Gonçalves, professor e investigador da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, que considerou que “os medicamentos biológicos estão a transformar o tratamento de muitas doenças”, sublinhando a necessidade de os doentes estarem “bem informados sobre as terapêuticas biológicas para que possam tomar decisões conscientes e participativas sobre o seu tratamento”.

O custo mais elevado foi uma das questões levantadas pelo keynote speaker, que defendeu a criação de um fundo orçamental que financie a inovação, bem como o recurso a medicamentos genéricos e biossimilares para baixar os custos dessa inovação.

Na mesa-redonda que se seguiu, dedicada aos desafios e oportunidades das terapêuticas biológicas, Jaime Melancia, presidente da Plataforma Saúde em Diálogo e também da PSOPortugal – Associação Portuguesa da Psoríase, recordou as dificuldades de acesso a estas terapêuticas, uma vez que “cada Comissão de Farmácia e Terapêutica hospitalar funciona de forma independente, sem diretrizes padronizadas, o que introduz muita variabilidade no processo”.

“É preciso mais transparência nos processos de prescrição destes medicamentos biológicos. Às vezes não sabemos as razões para um medicamento não ser aprovado”, lamentou.

Já Joana Camilo, presidente da ADERMAP – Associação Dermatite Atópica Portugal, alertou para as dificuldades que os doentes com dermatite atópica têm no acesso a terapêuticas biológicas, uma vez que não estão contemplados na portaria recentemente aprovada, que determina um regime excecional de comparticipação, mas só para algumas doenças. A portaria prevê que os medicamentos biológicos previstos para essas patologias possam ser prescritos em qualquer consulta especializada no diagnóstico e tratamento neste âmbito, tanto dentro como fora dos estabelecimentos hospitalares do SNS.

“Esperamos que essa portaria possa ser atualizada, uma vez que 70% dos doentes com dermatite atópica recorrem ao privado por necessidade e depois não têm opções terapêuticas”, disse.

Ana Parola, farmacêutica hospitalar da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental, reconheceu o “vazio legal” para os doentes com dermatite atópica, já que os medicamentos estão disponíveis apenas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de autorização do conselho de administração das unidades hospitalares.

Adicionalmente, explicou que a orientação subjacente às avaliações de terapêuticas biológicas por parte das Comissões de Farmácia e Terapêutica passa por “seguir a evidência científica mais robusta”, de acordo com as normas da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Já Armando Alcobia, membro da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica (CNFT), explicou que o objetivo da comissão é “incorporar a inovação e conciliar com os medicamentos existentes, através das diferentes visões dos vários intervenientes no sistema de saúde”.

Luis Cunha Miranda, presidente do Colégio da Especialidade de Reumatologia da Ordem dos Médicos, salientou que a Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica deve ser mais potenciada, “integrando o contributo de diversas entidades e das sociedades científicas”.

“Muitas vezes, o que a CNFT recomenda não é a melhor prática, ou a recomendação é tardia”, lamentou, defendendo uma melhor avaliação da inovação e uma abordagem focada no doente.

No início da sessão, Ana Tenreiro, da Direção da Plataforma Saúde em Diálogo, reforçou a importância de se debaterem e desmistificarem alguns preconceitos sobre o papel das terapêuticas biológicas, quer por parte dos doentes, mas também dos profissionais de saúde, e de se refletir sobre os obstáculos e desafios e, ainda, nas oportunidades que possam facilitar esse acesso.

Ainda no início do encontro, Rosário Trindade, Corporate Affairs & Market Access Director da AstraZeneca, apelou a uma gestão mais eficiente da inovação: “Quando conseguimos tratar mais precocemente estamos a travar o histórico das doenças e a fazer com que o prognóstico seja mais favorável, conseguindo assim uma gestão mais eficiente dos recursos.” Já Ana Sampaio, também membro da Direção da Plataforma Saúde em Diálogo, ao encerrar a sessão, relembrou a importância de “colocar o doente no centro” e de “atuar mais cedo, reforçando o valor destas terapêuticas biológicas para que o prognóstico seja melhor e para que se consiga fazer a diferença na vida dos doentes”.

Por seu turno, o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota-Filipe, sublinhou a importância da dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade para que os doentes “tenham cuidados com qualidade o mais próximo e comodamente possível”.

O encerramento da sessão ficou a cargo de Helena Farinha, vogal da Direção Executiva do SNS, que recordou que ainda existe uma “desconfiança generalizada” quanto às terapêuticas biológicas, apelando a uma maior literacia em saúde e também à procura de modelos de financiamento mais sustentáveis.

As Innovation Talks são uma iniciativa da Plataforma Saúde em Diálogo, com o apoio da AstraZeneca, e têm como objetivo defender os interesses e direitos das pessoas que vivem com doença, promover o conhecimento e a capacitação dos cidadãos e fomentar o debate aberto entre doentes e profissionais do setor sobre temas relacionados com a inovação em saúde.

 

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