
COVID-19: Prioridade aos doentes oncológicos na vacinação
O impacto dos atrasos na realização de exames de diagnóstico, rastreios preventivos e consultas será enorme na área da oncologia, confirmaram especialistas no mais recente webinar promovido pela Plataforma Saúde em Diálogo, que decorreu a 25 de fevereiro com moderação de Manuela Lourenço Marques, vice-presidente da Mesa da Assembleia-geral da Plataforma Saúde em Diálogo.
Um ano depois do prometido, o Registo Oncológico Nacional ainda não está operacional, o que compromete a fiabilidade da informação. Os dados disponibilizados pelos IPO (Instituto Português de Oncologia) referem uma redução de 20% a 25% de referenciações. Tendo em conta que há 4500 diagnósticos de incidência por mês, em média, haverá «pelo menos 900 diagnósticos de cancro adiados a cada mês», avaliou Vítor Rodrigues, médico e doutorado em saúde pública. Os atrasos nas consultas e rastreios, normalmente feitos nos centros de saúde, terão afectado sobretudo os doentes com cancro do colo do útero e colo-rectal. O também presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro não tem dúvidas que o atraso no diagnóstico precoce vai «ter impacto na sobrevivência, qualidade de vida e mortalidade a médio prazo». Na sua opinião, é urgente organização e planeamento, definindo objetivos a curto, médio e longo prazo. «A curto prazo será preciso retomar os cuidados de saúde e fazer programas sustentados, com colaboração entre todos», defendeu o médico.
O médico oncologista Diogo Branco defendeu que «os doentes oncológicos devem ser considerados grupos prioritários nos planos de vacinação», por serem população de risco, mas alertou que nem todas as vacinas são recomendadas. «Devem ser evitadas as vacinas de vírus vivo atenuados, e dada preferência às vacinas de mRNA». Vítor Rodrigues adiantou que a vacinação deve ser prioritária, mas apenas no caso dos doentes oncológicos com doença ativa. A mortalidade que atinge os doentes oncológicos com doença ativa infetados pelo vírus SARS CoV-2 chega aos 15% e sobe para 30% nos doentes oncológicos internados, versus 2% a 3% de risco para a população em geral. A informação foi avançada pela presidente da EVITA – Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes Relacionados com o Cancro Hereditário, que defendeu a sua inclusão nos grupos prioritários da vacinação. Além disso, os doentes oncológicos são obrigados a interromper os tratamentos oncológicos, com consequências nefastas para o desenvolvimento da doença. Tamara Milagre criticou a «monocultura COVID-19», considerando-a «uma situação catastrófica e inaceitável».
Diogo Branco lembrou que «o cancro é uma pandemia silenciosa», que vai suplantar as doenças cardiovasculares e tornar-se a primeira causa de morte no mundo. O diagnóstico precoce é fundamental para reduzir os custos de tratamento, para além de minimizar o sofrimento humano, defendeu. Na sua opinião, as associações de doentes têm um papel importante para apoiar a retoma dos cuidados de saúde não COVID-19, devendo aumentar o «envolvimento na discussão das políticas de saúde». Podem também desenvolver atividades de promoção de literacia sobre a doença e facultar aos doentes dispositivos e intervenções não incluídos nos planos de cuidados fornecidos pelas instituições de saúde.
A Comissão de Oncologia do Health Parliament Portugal, que coordena, vai em breve apresentar o relatório final da investigação iniciada em janeiro de 2020, que identificou cinco problemas na área da oncologia em Portugal: a falta de especificidade do modelo de estratégia e governança; a ausência de continuidade no ciclo de cuidados; a falta de dados e insuficiente monitorização de resultados; a dificuldade na educação para a saúde e capacitação do cidadão; e a introdução de inovação sem criação de impacto em valor. De entre as 15 propostas apresentadas pela Comissão, o investigador clínico salientou a operacionalização do Registo Oncológico Nacional, como «uma recomendação essencial». Na sua opinião, a «medida mais impactante» será a criação de um “simplex” para o percurso do sobrevivente de cancro, com um gabinete virtual que reúna vários serviços e dê apoio em várias vertentes, numa única estrutura de acesso fácil ao doente sobrevivente de cancro.
O Plano Europeu de Luta contra o Cancro, apresentado a 3 de fevereiro, e que conta com um financiamento de 4 mil milhões de euros, define uma nova abordagem da União Europeia (UE) em matéria de prevenção, deteção precoce, tratamento e cuidados oncológicos. O documento indica que, em 2020, foram diagnosticadas com cancro 2,7 milhões de pessoas na UE, enquanto 1,3 milhões morreram da doença. Estima-se que o impacto económico na UE seja superior a mil milhões de euros a cada ano. Estes números vão sofrer um «incremento elevadíssimo» nos anos pós-pandemia, devido ao atraso no diagnóstico, considerou a advogada Miriam Brice, que apelou à criação de um «compromisso a nível governamental e uma abordagem governativa e global, centrada no doente».
A associação Careca Power, a que preside, apoia as vítimas de cancro nas vertentes legal, económica, profissional, de saúde, social e afetiva/emocional, «complementando e às vezes substituindo o Estado» no apoio prestado aos doentes. Miriam Brice criticou os «atrasos gritantes» do trabalho das juntas médicas, que adiam o acesso dos doentes aos direitos que o Estado lhes confere. «Temos casos de atrasos de quase dois anos na verificação da incapacidade», denunciou.
Vítor Rodrigues saudou ainda a «importância fundamental» que a articulação entre farmácias hospitalares e comunitárias teve para os doentes oncológicos, desde abril passado, e defendeu que «deve continuar no futuro». Também a telemedicina poderá ser útil na área da oncologia «se for aplicada com boas práticas e não para evitar enchentes nos hospitais e centros de saúde», afirmou.