Viver com Doença Crónica – O indivíduo e as suas comorbilidades

Os avanços da ciência e da medicina têm sido determinantes para o aumento da esperança de vida. Têm também condicionado um aumento da população idosa e o aumento da prevalência das doenças crónicas.
No entanto, a qualidade de vida nos últimos anos de vida e os anos livres de doença e de incapacidade, estão ainda muito aquém do desejável.
A incapacidade física e a diminuição da capacidade cognitiva associam-se a uma variedade de problemas individuais, familiares, sociais e clínicos, que contribuem ainda mais para agravar a vulnerabilidade destas populações.
Considera-se que um indivíduo sofre de multimorbilidade, quando sofre de duas ou mais doenças crónicas.
O controlo de doenças outrora fatais, e o controlo sem cura das doenças crónicas, têm elevado exponencialmente os números da multimorbilidade.
Há alguns padrões de multimorbilidade que são frequentemente identificáveis, como a existência de doença cardiovascular e síndrome metabólico; osteoporose, fragilidade e doença pulmonar; obesidade e poliosteoartrose, mas a combinação de múltiplos fatores de risco, doenças e fármacos é virtualmente possível.
A realidade e pontos descritos acima, leva-nos a outro ponto essencial que é a necessidade de individualizar cuidados e centrá-los no doente. Cada doente crónico representa um indivíduo com características demográficas, culturais, socio-económicas e clínicas diferentes e que está também integrado num meio económico, de prestação de cuidados, familiar e social, que podem ser muito diferentes e que podem resultar em necessidades e resultados de saúde também muito diversos.
Durante anos, a saúde e os cuidados de saúde eram centrados em patologias. Os fármacos obtinham aprovação para indicações específicas e a sua aplicação no mundo real nem sempre correspondia aos resultados obtidos nos ensaios clínicos, uma vez que na vida real os doentes tomam vários fármacos e sofrem de doenças concomitantes que são excluídas dos ensaios clínicos.
O prognóstico e a evolução da doença em cada indivíduo, refletem a multiplicidade das doenças coexistentes, a resposta à terapêutica, as condições dos sistemas de saúde e social que o envolvem, e o ambiente socio-económico, familiar e cultural onde se insere.
A perceção da doença e do estado de saúde também variam com todos estes fatores. A auto-gestão da doença, os estilos de vida e adesão à terapêutica são fatores fundamentais que condicionam o prognóstico na maioria dos estados de saúde, mas são percebidos e assumidos por cada indivíduo de forma única.
A genética e o que herdamos dos nossos pais, é em muitas doenças determinante, mas na maioria, o ambiente e os comportamentos são-no ainda mais, e sobretudo são modificáveis, enquanto a genética não o é.

É por isso que investir em cuidados centrados no doente, adaptados de acordo com as necessidades do indivíduo, que são únicas, lidando com conhecimentos, ansiedades, expectativas e crenças, mas também com aspectos biológicos próprios de resposta ou intolerância a terapêuticas, à multimorbilidade de cada um e a aspectos socio-económicos e de acesso a cuidados de saúde e sociais, é fundamental para se obterem os melhores resultados em saúde, quer individual, quer pública e da sociedade em geral.

Helena Canhão

Licenciada, Doutorada e Agregada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, detém também um Mestrado em Investigação Clínica pela Harvard Medical School, Universidade de Harvard, EUA.
É Professora Catedrática de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Professora Catedrática Convidada de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública e Chefe de Serviço de Reumatologia, CHULC- Hospital Curry Cabral.
Lidera a Unidade de Investigação EpiDoC em Epidemiologia e Investigação Clínica, CEDOC, Faculdade de Ciências Médicas.
É membro do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa e do Conselho Geral NOVA Medical School, UNL. Presidente do Conselho Consultivo do Laboratório Colaborativo Value4Health e Coordenadora do Grupo Ageing da NOVA Saude.
Presidente Eleita da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, Presidente da Associação EpiSaude e Co-líder e Responsável Médica pelo Projecto Patient Innovation.
É autora de mais de 200 publicações peer-reviewed e de 5 livros e 25 capítulos de livros na área da medicina, reumatologia, inovação e investigação clínica.

Fique a par da Conferência Viver com a Doença Crónica que se realizará a 31 de maio no Auditório do Infarmed.