“Spínola em tempos de revolução” por Francisco Bairrão Ruivo

O livro intitula-se “Spínola e a revolução, do 25 de Abril ao 11 de Março de 1975”, por Francisco Bairrão Ruivo, Bertrand Editora, 2015. Spínola, observa o autor, foi uma figura central do fim do Estado-novo e do processo revolucionário português, guiando sempre a sua ação pela perspetiva de chegar ao poder ou consolidá-lo quando assumiu a chefia de Estado. Mas fê-lo sempre em ditadura e em revolução, porque com a chegada da democracia Spínola afastou-se progressivamente da vida pública.

O destemido militar que muitos sonharam vir a ser o De Gaulle português, ganha as suas esporas e torna-se mediático como governador da Guiné e seu comandante-chefe, anuncia que a solução dos conflitos suscitados pela luta da independência é marcadamente política e não militar, cedo tem consciência que enfrenta um adversário ideológico excecionalmente bem equipado, que a colónia está cercada por dois países que contribuem para promover a libertação e que o próprio relevo do terreno em nada é propício a afugentar guerrilheiros e populações controla. Torna-se figura mediática a tal ponto que quando se estuda a Guiné até se faz tábua-rasa do governador que o precedeu, Arnaldo Schulz, ainda recentemente um biógrafo de Marcello Caetano, Luís Menezes Leitão, atribuía a Spínola a formação de milícias africanas, coisa em que Schulz foi de facto o pioneiro. O que estabeleceu a diferença foi a permanente presença física do comandante-chefe em tudo quanto fosse quartel e operação, criou um staff próprio, altamente motivado, engendrou uma fórmula de captar apoios étnicos, os Congressos do Povo, conseguiu obter recursos para importantes projetos de desenvolvimento económico e social. Como de há muito está bastante bem documentado, tinha simpatia pelas teses federalistas, semelhantes às de Caetano, e com Caetano, manteve uma relação amistosa até 1972, a partir daí cresceu a tensão entre ambos, quando em Agosto de 1973 Spínola regressa definitivamente a Lisboa está consumada a rotura.

A investigação de Francisco Bairro Ruivo é rigorosa, é patente a sistematização e a boa lógica do seu discurso, embora não traga absolutamente nada de novo, vai ficar como um compêndio bem organizado sobre a inserção das atividades de Spínola no contexto do marcelismo, deixa bem traçado o projeto do poder pessoal do homem do monóculo, o seu pendor ultraconservador e a demonstrada incapacidade de tato numa situação revolucionária. Igualmente fica um excelente registou dos primeiros cinco meses do processo revolucionário português, as crises tumultuosas, a ascensão da Comissão Coordenadora do MFA e o seu enfrentamento Spínola, estão ali as greves, a agitação dos movimentos sociais e o embate provocado pela descolonização. Quando hoje, surpreendentemente, ainda há quem defenda que todo aquele processo descolonizador podia ter tido outras regras de equilíbrio, é porque não se toma conta que a questão colonial não podia ser dissociada da dinâmica interna do movimento popular, como escreveu Almeida Santos e o autor invocou: “Vivia-se uma hora de demissionismo e anarquia. O Estado viu-se de súbito desapossado de toda a autoridade. Poderes de facto de génese espontaneísta substituíram-se aos poderes instituídos. As greves selvagens, as ocupações ilegais; as manifestações orgíacas da liberdade reconquistada; a retração das forças militares e de segurança… eram local de cultura de todos os excessos e todas as originalidades”. Cada vez mais apeado pelo MFA, Spínola vai fazendo arengas pelo país, e confunde o apoio de grupos de extrema-direita com a voz de uma vigorosa maioria silenciosa. Demite-se da presidência da República, reaparece em Janeiro de 1975, dá uma longa entrevista ao Expresso, reaparecem as expetativas neste homem providencial. Neste contexto, o autor descreve com detalhe, e à luz das fontes documentais conhecidas, o golpe de 11 de Março que leva Spínola para o exílio onde criou um movimento de extrema-direita, o MDLP, mantendo-se ativo e sempre em contacto com outras organizações como a Maria da Fonte, os independentista da FLA, ficou sempre a pairar no ar uma nova aventura golpista. Spínola regressa, é agraciado e apaga-se. Os portugueses já não querem nem ditadura, nem golpismo, nem bombas.

Um livro útil, uma excelente resenha de acontecimentos que marcaram a vida dos portugueses desde o fim do marcelismo até à normalização democrática.

 

 

Mário Beja Santos

Abril de 2015