Nos últimos anos, filósofos e outros pensadores juntam-se aos profissionais de saúde para, conjuntamente, debaterem temas que têm provocado acesa polémica particularmente nas sociedades ocidentais: a extensão da eutanásia, o direito de dispor da vida escolhendo o modo de morrer, os conteúdos do chamado testamento vital, essencialmente.
O professor Walter Osswald tem pergaminhos na Bioética, foi reputado professor e distinguiu-se nas investigações em Farmacologia e Terapêutica. O estudo do processo de morrer é-lhe caro, tal como os cuidados paliativos, a dor, a perda e o sofrimento, o suicídio assistido e a eutanásia. Neste livro “Sobre a morte e o morrer”, das edições populares da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Walter Osswald discorre recorrendo à forma de ensaio onde também têm acolhimento as suas observações em torna da espiritualidade, as noções da “arte de morrer” e da boa morte.
Desde a aurora da civilização que descobrimos que a morte é inelutável; a morte é certa, a hora incerta. Daí a representação da morte nas artes, na religiosidade, nos estilos de vida, na literatura, no pensamento filosófico. A preparação para a morte, observa o autor, torna mais fácil lidar e superar o sofrimento, a morte e o luto dos sobreviventes. A civilização do consumo, passados os horrores da II Guerra Mundial, procura ocultar a morte, torna-a inaparente e escusa. No passado, acompanhar o morto à sua última morada, era um ato normal. Atualmente, passou a ser frequente não se noticiar a morte de uma pessoa, há maior sobriedade nas manifestações. Parece que se caminha para o desaparecimento da experiência da morte, ela é retirada do meio social e marginalizada. No entanto, basta acompanhar o que vem nas redes sociais, os depoimentos sobre entes queridos depositados em lares onde se finam em escandaloso isolamento. Nas últimas décadas, porventura decorrente do envelhecimento das populações, estuda-se o processo de morrer, sugere-se maior liberalidade para a regulamentação da morte assistida e da eutanásia.
O professor Osswald começa por interpelar o que é a morte, a noção de morte cerebral ou do tronco cerebral e recorda a importância da participação de outros na morte de cada um para reduzir a expressão da morte solitária na frieza assética de uma cama hospitalar. Discorre onde e como se morre em Portugal e considera que a solução mais apropriada passa por três vetores: morte no domicílio, quando se tenha condições e exista acompanhamento por uma equipa de saúde; “regularização” através da instalação de uma cultura de hospitalidade e humanização; acolhimento dos doentes em unidades de cuidados paliativos.
Observa a utilidade dos cuidados paliativos e o modo como estes devem estar organizados, impõe-se o modelo para a sua inclusão no SNS, já que não se pode fugir ao reconhecimento de que todos têm direito a cuidados de saúde. Levanta a questão de quem deve cuidar do cuidador, mesmo nos serviços de cuidados paliativos ocorre frequentemente o risco da exaustão ou burnout.
Falando da dor e sofrimento, recorda que além de haver necessidade de combater a dor é também importante conseguir a ajuda da família: a aliança entre equipa de cuidadores, doente e família é a essência dos cuidados paliativos.
Seguidamente o autor debruça-se sobre a necessidade do luto, este implica a experiência do sofrimento, da dor moral, da privação consequente à perda. Refletindo sobre o testamento vital, refere aspetos pouco claros da legislação alegando que o legislador quis evitar que a obediência ao disposto no testamento vital conduzisse à eutanásia, e tece a sua crítica: “Estes pontos merecem reflexão, pois a ambiguidade na formulação legal gera fatalmente conflitos, devido a interpretações divergentes no texto da lei”. Considera que este documento deve ser de natureza indicativa, e que permite conhecer as escolhas e opções filosóficas e/ou religiosas do declarante, e o médico tê-las-á em conta no seu agir.
Críticas maiores vão para o suicídio assistido e a eutanásia que ele claramente repudia, contrapropondo com a boa morte e recordando que a esmagadora maioria da população mundial se identifica com uma religião. Em jeito de conclusão dirá que “o desafio é de propiciar condições para que cada um possa viver a sua morte de modo que ela seja um momento culminante da sua vida, uma boa experiência”. E renova a necessidade da implantação e rápida expansão de cuidados paliativos, enfatizando que o princípio básico de não acelerar nem retardar a morte natural é observado nos cuidados paliativos.
Mário Beja Santos
Maio de 2016