“Sem medo do Parkinson”, por João Pedro Belo

Chama-se João Pedro Martins Belo, nasceu a 1 de Dezembro de 1958, tem mais oito irmãos. Dá-nos elementos curriculares, fala dos seus casamentos até que um dia, em 1991, descobre que não apoia bem o pé, coxeia da perna esquerda. Faz exames, as manifestações agravam-se, agora já sente dificuldade em escrever, vai a um neurologista, a sua vida alterara-se para sempre, fora-lhe diagnosticada a doença de Parkinson. Como ele escreve, passou por um processo de aprendizagem de longa duração, umas regras de disciplina em que ele tinha que aceitar ser doente e responsável por autocuidados: tomar a medicação a horas certas, ter uma relação de confiança com o médico, seguir á risca os tratamentos. Tudo se agravara entre 1992 e 2001: “Foi-me feito um teste Apomorfina, que se revelou positivo, iniciou-se uma terapêutica com fármacos agonistas da dopamina. Confirmava-se o diagnóstico da doença de Parkinson”. Foi obrigado a reformar-se em 2004, uma pensão de 285 euros. Reeducou-se para viver com quase nada, revelou-se assertivo: “Nunca desisti de uma adaptação à doença, enfrentando-a com coragem e contrariando-a sempre, retirando o máximo de prazer e otimismo, tentando saber viver, aprendendo as lições desta patologia e as suas consequências, quando ela, por vezes, me deixa a zero em tudo: força física, zero; vida profissional, zero; vida própria, zero; vida sexual, zero; passeios, zero; independência, zero; convívio com a família, zero; tudo a zeros”. Todas estas confidências constam de um livro de leitura irrecusável: “Sem medo do Parkinson”, por João Pedro Martins Belo, Chiado Editora, 2015

Vive com uma irmã, não deixa transparecer o nível de relacionamento com os outros irmãos, encontrou recentemente uma mulher que lhe dá imenso apoio, Helena. Mas confidencia e incentiva: “É necessário aceitar com humildade e agradecer por termos um teto onde dormir e uma família que se preocupa connosco. Os doentes de Parkison isolam-se muito. Os doentes devem fazer tudo o que seja possível para estarem ativos, pois a doença degenerativa mata as células continuamente. Desde 2006 que me encontro num estado de debilidade extrema. Todos os sintomas são destrutivos, desgastando as defesas físicas e psicológicas, descredibilizando os doentes que podem sonhar com uma possível recuperação”. A reação de tais sintomas passa por atividade física adequada, ocupação do tempo, treino da mente.

João Pedro Belo fala agora aos outros doentes, estimula-os, são parágrafos de incentivo, e é preciso sonhar com os pés na terra, por isso adverte: “Lembre-se sempre de que a recuperação não é a cura, pois a doença está instalada. Cuidado com as fases de bloqueio que nos deixam paralisados e sem podermos darmos nem mais um passo. Devemos pensar que o bloqueio é igual a trancarem-nos as portas de saída com um sofisticado sistema de sensores ultrassensíveis. Não se sinta sem solução. Deixe cair os braços para baixo, descontraindo todos os músculos, como se estivesse a enganar o sensor, que ele fará uma leitura aos seus movimentos através do seu cérebro. Então, com muita calma, encha o peito de ar, com oxigenação renovada, purificando o seu sangue, e será produzida mais substância, a dopamina que controla os movimentos. Sem ela torna-se tudo mais complicado. Esta doença existe principalmente por falta de dopamina e nada funciona sem ajuda dos medicamentos, como se se tratasse de uns litros de combustível num automóvel. Após respirar fundo, entre dois a três segundos e com concentração, recomece a sua marcha caminhando, caminhando, caminhando com alguma calma e aí pouse bem o calcanhar”.

“Sem medo do Parkinson” é um depoimento íntimo onde se fala de escassos euros, de medicamentos, da obrigatoriedade do descanso que a doença exige, e é também um hino à vida, com uma reforma miserável foi necessário deitar as mãos a tudo, a fazer objetos e a vendê-los nas feiras, andar permanentemente a atravessar desertos, a ter um quiosque de vendas no auditório Lurdes Norberto, a cooperar com uma associação de doentes, designadamente a Associação dos Doentes de Parkinson, a saber aproveitar todas as oportunidades para falar da sua causa. É um livro inspirador, ultrapassa as fronteiras da doença neurológica crónica, é um relato que pode ajudar muita gente que ainda não encontrou as melhores formas de alívio para as suas dores e medos.

 

 

Mário Beja Santos

Junho de 2016