Potenciar o legado da pandemia: saúde digital e cooperação intersectorial
«É importante afirmarmos a relevância das associações no sistema de saúde», defendeu o ministro da Saúde na abertura dos trabalhos da conferência anual da Plataforma Saúde em Diálogo, que decorreu a 27 de outubro no auditório da Associação Nacional das Farmácias (ANF). Manuel Pizarro entende que hoje existe maior consciência que a participação dos doentes no sistema de saúde é «uma questão central», e que deve «ser acarinhada», e por isso considerou este convite uma «oportunidade» para poder partilhar a sua visão sobre o tema. O ministro falou de um Orçamento do Estado (OE) para 2023 «voltado para as pessoas» e destacou duas medidas que trazem inegáveis benefícios para os doentes crónicos: a distribuição de medicamentos hospitalares nas farmácias comunitárias, que vai beneficiar 150 mil pessoas, e que já tinha sido ensaiada, com sucesso, durante a pandemia, e a renovação automática da terapêutica crónica nas farmácias.
A conferência propôs-se debater os desafios da saúde no pós-pandemia e a forma como os cidadãos podem participar na construção de um sistema de saúde mais sustentável. Ora, se a pandemia alguma coisa mostrou foi a importância da «interdependência e da partilha de soluções» na área da saúde, defendeu Ema Paulino na abertura dos trabalhos, garantindo que a ANF está aberta a um «diálogo contínuo e profícuo» com o Ministério da Saúde. «Podem sempre contar connosco», garantiu a presidente da ANF.
Há evidências de que a participação ativa dos cidadãos pode aumentar a qualidade dos cuidados de saúde e contribuir para a sustentabilidade do sistema, afirmou Xavier Barreto, da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH). No entanto, para que os hospitais passem a valorizar a satisfação do utente, é preciso «criar incentivos concretos», associando o financiamento hospitalar à experiência do doente. Como explicou, 95% do financiamento do sistema hospitalar é feito com base no volume de cuidados prestados e só 5% depende de indicadores de qualidade, eficiência e acesso. Este é, na sua opinião, o principal entrave à efetiva participação pública nos hospitais, embora também existam problemas de comunicação entre os profissionais de saúde e os doentes e até «atitudes negativas» face à contribuição destes. Xavier Barreto exortou as associações de doentes a colaborar na «identificação de interlocutores», doentes crónicos que possam participar em modelos de cocriação de cuidados de saúde. «O que faz sentido é um modelo mais integrado que envolva hospitais, centros de saúde, farmácias, associações de doentes e setor social», defendeu.
A canalização de esforços para combater a COVID-19 levou a descurar a saúde em geral, e esse terá sido o efeito mais negativo da pandemia, concordaram os intervenientes da mesa-redonda, onde participaram profissionais de saúde, do setor social e das associações de doentes. No entanto, a pandemia também gerou efeitos positivos. O mais evidente foi o desenvolvimento da saúde digital, mas também o trabalho em parceria entre diferentes setores conheceu melhorias. «Houve trabalho em colaboração como nunca tinha havido antes», afirmou Catarina Marcelino, do Instituto da Segurança Social. A urgência de encontrar soluções agilizou a tomada de decisões, reduziu a burocracia e «derrubou preconceitos». Um exemplo foi a Operação Luz Verde, que permitiu às farmácias comunitárias a dispensa de medicamentos hospitalares, lembrou Ana Tenreiro, da Direção da ANF. «Temos uma porta aberta para começarmos a dialogar», considerou. O próximo passo é iniciar a partilha de dados em saúde, «essencial, por exemplo, para o processo de renovação da terapêutica».
Mas, alertou Maria do Rosário Zincke, a pandemia deixou lacunas muito grandes, que não se colmatam com um esforço acrescido por parte dos profissionais de saúde. «É preciso uma viragem com visão estratégica», defendeu a presidente da Plataforma Saúde em Diálogo. «O que funcionou bem em regime de exceção tem de ser agora implementado no terreno. Deem-nos provas de que querem mudar. Apostem mais no setor social», apelou.
Também o presidente da Direção da USF-AN, André Biscaia, pediu estratégia. «Há coisas que não é possível remendar, vamos pensar os aspetos charneira, de forma estratégica. Por exemplo, é preciso criar equipas de saúde familiar, distribuir o poder e a capacidade de intervenção». É preciso mais trabalho intersectorial a nível decisório e no terreno, esbatendo as diferenças culturais que afastam os setores da saúde e social. «As barreiras vencem-se com equipas mistas, integrando as áreas, sem estar cada um na sua “quinta”», disse Catarina Marcelino. A pandemia veio criar experiências piloto, como a vacinação nas escolas e lares, «o melhor exemplo de cooperação entre os setores da saúde e social», na opinião de Joana Vilas Boas, dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
As experiências vividas pelas associadas da Plataforma durante a pandemia de COVID-19 foram reunidas em livro, apresentado durante a conferência, por Isabel Saraiva, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Plataforma e autora da ideia. O ‘’Livro Branco das Associações da Plataforma Saúde em Diálogo – Retratos dos Novos Tempos” foi construído ao longo de ano e meio com o contributo de 56 associadas. A edição coube à FDC Consulting e o prefácio é de Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde. «Trata-se de um contributo para uma mudança estratégica estruturada da saúde de todos nós», concluiu Maria do Rosário Zincke, no encerramento dos trabalhos, apelando a uma leitura atenta do Livro por parte dos decisores políticos, para que «sejam criadas políticas que vão ao encontro das efetivas necessidades e legítimas expectativas do cidadão.» Aceda aqui à versão digital do Livro Branco das Associações.
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