O elementar sobre o cancro, por Manuel Sobrinho Simões
Oncólogo eminente, Manuel Sobrinho Simões aceitou o desafio em explicar ao grande público o elementar do universo desta doença. Diz ele em “O Cancro”, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014: “O que me proponho fazer neste ensaio é procurar esclarecer, em linguagem acessível a não especialistas, as bases biológicas dos cancros e das doenças pré-cancerosas em termos de definição (o que são), classificação (como se dividem), causalidade (a que se devem), progressão (como se desenvolvem) e terapêuticas (como se trata os doentes com cancro”. E acrescenta mais adiante: “Estou convencido de que a compreensão das bases celulares do cancro e o domínio da linguagem oncológica são indispensáveis para a construção de uma estratégia adequada para a luta contra o cancro, tanto em termos individuais, como sociais.
Vamos então ao elementar do que propõe o oncólogo. A palavra cancro é utilizada para designar uma neoplasia maligna ou, se se usar a palavra tumor como sinónimo de neoplasia para designar um tumor maligno. Cancro é uma designação infeliz pela sua imprecisão, já que existem, só na espécie humana, centenas de diferentes tipos de cancro, o mesmo é dizer que neste universo há uma miríade de neoplasia malignas com caraterísticas celulares e gravidade muito distintas umas das outras. A caraterística fundamental destas doenças reside no crescimento do tecido novo, que pode ser o resultado de uma maior proliferação, de uma maior resistência das células à morte ou de ambos os fatores. A maioria das neoplasias não são cancros, trata-se de neoplasias benignas. Por exemplo, todos nós temos neoplasias benignas da pele mais ou menos escuras. O autor explana-se sobre a distinção dos tumores benignos dos tumores malignos, expõe como nascem e se desenvolvem os cancros e quais as etapas de desenvolvimento de um cancro.
E detém-se sobre o papel dos genes, observando que a origem última de um cancro pode ser explicada através de alterações em três grandes grupos de genes: ‘aceleradores’, ‘travões’ e ‘desestabilizadores’, genes que funcionam como aceleradores do crescimento celular, genes que normalmente frenam a divisão celular e genes envolvidos na estabilidade genética. Dito de outro modo, o desenvolvimento do cancro continua a ser um processo de natureza genética. Há elementos que favorecem o seu aparecimento, funcionam como agressores externos, caso das radiações, das substâncias químicas, de certos agentes vivos (vírus, bactérias e parasitas).
Como nasce e se desenvolve um cancro? A oncologia tem muitos pontos de interrogação e um deles é o de saber se é ou não possível identificar lesões pré-malignas. Isto é, saber se dispomos dos instrumentos óticos, bioquímicos e moleculares que nos permitam dizer que a lesão x é uma lesão biologicamente maligna, e que poderá evoluir, se não for tratada, para uma neoplasia invasora. Daí a diversidade de repostas e de melindrosas questões colaterais, caso do pavor que ainda se associa ao cancro e a necessidade de proteger os doentes da rapacidade de muitas companhias de seguros. Há pontos de interrogação e incertezas. E o autor concretiza: “Quando não temos a certeza se o doente ficou ou não curado após a remoção cirúrgica da neoplasia, deve utilizar-se a designação de neoplasia de potencial incerto”. Daí a dificuldade em prever a evolução de uma lesão pré-maligna e o autor procurar numa linguagem acessível às pessoas sem formação médica explicar as lesões com potencial maligno, a hiperplasia e displasia bem como a metaplasia.
Falando dos números de cancro em Portugal, dá-nos a boa notícia de que mais de metade dos doentes com cancro sobreviverá à doença e apresenta números sobre a mortalidade por cancro bem como sobre a incidência do cancro. Quanto à prevenção e diagnóstico precoce, enuncia as estratégias de prevenção primária, esclarece qual é o papel da quimioprevenção e o papel da suscetibilidade genética; há também a prevenção secundária que se carateriza pela intervenção no diagnóstico e tratamento das fases pré-clínicas da doença cancerosa através da implementação de estratégias de rastreio.
Quanto ao tratamento, refere o tratamento cirúrgico, o papel do exame anátomo-patológico, o tratamento cirúrgico radical, as terapias adjuvantes e neoadjuvantes, a radioterapia e quimioterapia, a resistências aos tratamentos e os seus resultados e, por último, os casos das leucemias e dos linfomas.
No cenário do que irá ocorrer em meados do nosso século, o cientista prevê: “O que antevejo para daqui a 30 ou 40 anos é uma população muito envelhecida e com uma prevalência de cancro e de doenças neuropsiquiátricas muito elevada, doenças infeciosas, metabólicas e/ou hemodinâmicas associadas à grande longevidade. Este panorama torna premente a necessidade de aumentar o número de camas de cuidados continuados e de cuidados paliativos, eventualmente à custa das camas hospitalares convencionais”. E elenca o que é preciso fazer daqui para o futuro.
Mário Beja Santos
Dezembro de 2015