Intervenção na Audiência Parlamentar do GT para a nova LBS

Conheça do texto na integra: 

AUDIÊNCIA PARLAMENTAR – 08.03.2019

INTRODUÇÃO:

Começamos por agradecer que nos ouçam enquanto promotores de uma iniciativa legislativa de cidadãos (“Por uma Lei de Bases da Saúde feita com as pessoas e para as pessoas), que pretende recuperar a proposta de lei de bases da saúde que resultou do trabalho desenvolvido pela Comissão de Revisão criada pelo Despacho nº 1222/2018 de 31.01.

Estamos aqui em representação da Associação Alzheimer Portugal, Associação Careca Power, Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes Relacionados com Cancro Hereditário (EVITA), Associação Nacional de Esclerose Múltipla (ANEM), Associação Nacional dos Doentes com Artrite Reumatóide (ANDAR), Associação Portuguesa da Psoríase (PSO Portugal), Associação Portuguesa de Doença Inflamatória do Intestino, Colite Ulcerosa e Doença de Crohn (APDI), Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA), Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN), Liga Portuguesa Contra a Sida, Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR), Plataforma Saúde em Diálogo, Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), Respira – Associação Portuguesa de Pessoas com DPOC e outras Doenças Respiratórias e Aliança Portuguesa de Associações de Doenças Raras, Liga Portuguesa Contra o Cancro, Comissão Instaladora da Organização Agregadora  das Associações de Doenças Raras.

Consideramos que não nos devemos ocupar tanto das ideologias (político-partidárias), mas do texto que há-de regular e delimitar a ação de qualquer governo no futuro, no que diz respeito ao Direito Humano Proteção da Saúde.

Preocupa-nos que se esteja a prescindir de um trabalho independente, transparente e participado, suportado num exercício técnico e científico rigoroso, que congrega os contributos de todos, incluindo os cidadãos e as associações de doentes;

Enquanto cidadãos e associações de doentes, apresentamos algumas observações e preocupações perante as propostas apresentadas pelo Governo e pelos partidos, em alternativa à proposta da comissão.

Antes de mais, importa observar por que modo, as diferentes propostas, garantem a Saúde das Pessoas e reconhecem os seus Direitos.

E fazemo-lo se formos claros e inequívocos, sobre a responsabilidade do Estado na proteção do direito à saúde. E, aqui, estamos preocupados.

Parece-nos que se está a ignorar a importância da componente técnica de uma Lei de Bases. Talvez tenha passado despercebido que nem todas as propostas garantem essa responsabilidade primeira do Estado. A proposta do Governo determina que – e citamos – “o Estado promove e garante o direito à proteção da saúde através do Serviço Nacional de Saúde”. Para nós é claro que, de acordo com o Governo, o Estado quando promove e garante o direito à proteção da saúde o faz através do SNS. Mas, em nenhum ponto, se escreve que é o Estado quem promove e garante o direito à proteção da saúde. A síntese tem perigos jurídicos, a desatenção em aspetos técnicos tem consequências. E este é um resumo que deixa as pessoas desprotegidas. Esta é uma síntese que admite que não venha a ser o Estado a proteger o direito à saúde das pessoas.

Um Lei de Bases da Saúde tem que ser conforme à Constituição da República Portuguesa e aos Textos Internacionais sobre Direitos Humanos ratificados pelo Estado Português;

Tem que ser apartidária;

E centrada na primazia da dignidade e dos direitos das pessoas em contexto de saúde;

Em que o Estado seja o garante da realização do Direito Fundamental à Protecção da Saúde, sendo essa a finalidade primeira do SNS;

CUIDADORES

Representamos muitas associações de doentes, pelo que devemos pronunciar-nos igualmente sobre um aspeto fundamental, real, de todos os dias, largamente desenvolvido em contexto internacional. Numa época em que nos encontramos a rever uma lei de bases, perguntamo-nos sobre que pensamento terá presidido à obliteração quase completa das disposições referentes ao cuidador informal. Como se nem existissem estas pessoas. Como se nem fossem importantes. Está ignorada, desatendida, umas das principais dimensões da prestação de cuidados de saúde.

A proposta do Bloco de Esquerda não os refere.

A proposta do PCP reduz este tema a uma rede de apoio.

A proposta do Governo declara apoio aos cuidadores informais enquadrado na responsabilidade social e atividade voluntária.

Se assim ficarmos, temos um erro muito grave, com implicações verdadeiras na proteção dos cuidadores e das pessoas cuidadas.

TAXAS MODERADORAS

Congratulamo-nos por ser transversal a diferentes propostas a preocupação em ficar especificado o objetivo das taxas moderadoras, que devem existir apenas para “orientar a procura e moderar a procura desnecessária”, “considerando a isenção de pagamento em situações “de maior risco de saúde”, como é o caso da doença crónica. Neste caso, não se trata de moderar mas sim de privilegiar o seu acompanhamento para evitar o agravar da doença e maiores custos para o Estado.

CRITÉRIOS

Ainda outro aspecto que nos preocupa e para o qual pedimos a vossa atenção e ponderação:

Que critérios queremos estabelecer para quem venha governar, hoje e daqui a dez, quinze anos?

Queremos confiar, por exemplo, nos critérios (desconhecidos) que se venham a entender como “vantajosos” na relação do Serviço Nacional de Saúde com os setores privado e social, como propõe o Partido Social Democrata na sua proposta? (que, aliás, utiliza a mesma expressão da lei de bases que queremos substituir: “vantagem”)

Queremos deixar para quem venha a “avaliação da necessidade” da celebração de contratos com as entidades do setor privado e do setor social, como propõe o Governo?

Não ficam definidos, nestas duas propostas, os critérios dessa “vantagem”, dessa “necessidade”.

Vivemos uma era insólita, em que vemos presidir nalguns países a falta de bom senso. Face a isso, perguntamo-nos se temos a certeza de que, por princípios ideológicos, devamos optar por deixar por preencher esse critério de vantagem e necessidade.

Também não ficamos tranquilos, quanto a esta matéria, com todo o respeito, com as propostas do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda.

A proposta do PCP prevê que o Estado possa recorrer supletiva e temporariamente aos setores privado e social para assegurar a prestação de cuidados de saúde. A proposta do BE prevê a complementaridade desses setores com os prestadores públicos, não admitindo que com estes concorram ou conflituem.

Essa não é a nossa realidade.

Somos, tal como os proponentes destas propostas, defensores do serviço nacional de saúde como resposta primeira do Estado às necessidades em saúde das pessoas (aliás, todas as propostas seguem este entendimento).

Mas não podemos ignorar o que existe.

Preferimos que esteja regulado e que fique definida com exatidão a forma como o SNS se relaciona com outros prestadores. Neste aspeto, temos de ir além. Não é uma escolha, é uma responsabilidade.

E não nos parece que fique em causa uma solução governativa em que, no limite, o Estado não necessita de recorrer a prestações públicas de saúde providenciadas por prestadores privados. Mas, caso precise, temos, desde logo, um critério, que ficou claramente definido na proposta da comissão, que a proposta do CDS-PP acompanhou integralmente.

E sobre esse critério, haverá dificuldade em concordarmos que a relação do serviço nacional de saúde com os setores privado e social se sujeite à avaliação da necessidade que atente na capacidade instalada, nos princípios da qualidade e da segurança, da eficácia, da efetividade, da eficiência e da economia? Não estaremos todos mais tranquilos se soubermos que a vantagem, a necessidade, a supletividade, ou a complementaridade, nos termos usados pelas diferentes propostas, é balizada nestes termos?

INDEMNIZAÇÃO

Um último aspecto que nos parece essencial para reconhecimento do Direito à Protecção da Saúde –  A necessidade de regulamentar o direito à indemnização pelo dano injusto causado na prestação de cuidados de saúde, promovendo meios expeditos de resolução de litígios em contexto de saúde e o ressarcimento do dano anónimo.

Quanto a estas e outras matérias, as pessoas, as associações de doentes muito gostariam que nos encontrássemos todos numa base comum de concórdia. Não se chegará a qualquer consenso, se a discussão for ideológico-partidária. Estaremos num impasse natural.

O que sugerimos aos Senhores Deputados é que admitam que uma lei de bases sirva de balizamento e não tanto de expressão e concretização ideológica. Gostaríamos que olhassem de novo para uma proposta (esta que pretendemos apresentar enquanto cidadãos e que resultou do trabalho da comissão) isenta, participada, que obedeceu aos princípios constitucionais e técnica e cientificamente orientada.

De destacar o carácter muito actual  da Lei de Bases proposta pela Comissão. Todas as preocupações  sobre saúde  que enformam o pensamento e em alguns países, as políticas, podem nela ser encontradas. Por exemplo,  as relacionadas com as tecnologias de informação e  com a genética.

 

Compreendemos as escolhas das diferentes propostas, alinhadas com as diferentes ideologias que as fundamentam, mas, na nossa leitura, consideramos, por um lado, que as soluções presentes na proposta da comissão salvaguardam os pontos em que todas as propostas se encontram, e por outro, respeitam essas diferenças e a possibilidade de diferentes propostas governativas.

Terminamos com umas últimas palavras. O Governo apresentou uma proposta, diferente da da comissão, para que “o seu conteúdo programático não restringisse desnecessariamente a função executiva”. Ora, uma lei de bases é uma lei de valor reforçado, um forte de direitos e obrigações inequívocos, atribuídos às pessoas e ao Estado. Vivemos num estado democrático, com as suas magníficas virtudes, mas também perigosas possibilidades, pelo que nos preocupa que se esteja a prescindir da segurança para as pessoas que é preciso salvaguardar nesta matéria.