Já temos Estatuto do Cuidador Informal?

Já temos Estatuto do Cuidador Informal?

Tendo sido aprovado pelo Parlamento, por unanimidade, a 5 de Julho e promulgado pelo Presidente da República a 6 de Agosto, apenas a 6 de Setembro é publicado o Estatuto do Cuidador Informal, anexo à Lei nº 100/2019.
Ficam assim regulados os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada e estabelecem-se as respectivas medidas de apoio.

Mas, o que muda, de imediato, para o cuidador?

Ficamos a saber quais os cuidadores e quais as pessoas cuidadas que podem vir a beneficiar deste Estatuto.
Ao contrário do que se verificava noutras propostas legislativas, a presente Lei exclui do Estatuto quem não seja cônjuge, parente ou unido de facto.

Distingue-se cuidador informal principal de cuidador informal não principal:

“Considera-se cuidador informal principal o cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4.º grau da linha reta ou da linha colateral da pessoa cuidada, que acompanha e cuida desta de forma permanente, que com ela vive em comunhão de habitação e que não aufere qualquer remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada.”

“Considera-se cuidador informal não principal o cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4.º grau da linha reta ou da linha colateral da pessoa cuidada, que acompanha e cuida desta de forma regular, mas não permanente, podendo auferir ou não remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada.“

“Considera-se pessoa cuidada quem necessite de cuidados permanentes, por se encontrar em situação de dependência, e seja titular de uma das seguintes prestações:

a) Complemento por dependência de 2º grau;
b) Subsídio por assistência de terceira pessoa.”

Pode ainda considerar-se pessoa cuidada quem, transitoriamente, esteja acamado ou a necessitar de cuidados permanentes, por se encontrar em situação de dependência, e seja titular de complemento por dependência de 1º grau. Terá, contudo, que haver avaliação específica por parte dos Serviços de Verificação de Incapacidades do Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS).

São igualmente considerados os complementos por dependência de 1º e 2º graus e o subsídio por assistência de terceira pessoa atribuídos pela Caixa Geral de Aposentações (CGA). As pessoas cuidadas que não sejam beneficiárias de nenhuma das referidas prestações podem ainda ver a sua situação de dependência reconhecida nos termos a regulamentar.

Prevê-se a criação de projectos-piloto experimentais, a vigorar pelo prazo de 12 meses contados a partir da entrada em vigor da Portaria que vier a regulamentar o Estatuto agora criado, o que deverá acontecer no prazo de 120 dias a contar de 07.09.2019 (dia seguinte ao da publicação da Lei).

Quanto às formalidades a seguir pelo cuidador informal para ver o seu estatuto reconhecido, sabemos que será mediante requerimento dirigido pelo cuidador, preferencialmente com o consentimento da pessoa cuidada, ao Instituto da Segurança Social. Contudo, há que aguardar pela regulamentação que estabelecerá as condições e os termos de atribuição e manutenção do reconhecimento do cuidador informal.

Quanto aos direitos do cuidador informal, devidamente reconhecido, o estatuto elenca os seguintes:

a) Ver reconhecido o seu papel fundamental no desempenho e manutenção do bem-estar da pessoa cuidada;
b) Ser acompanhado e receber formação para o desenvolvimento das suas capacidades e aquisição de competências para a prestação adequada dos cuidados de saúde à pessoa cuidada;
c) Receber informação por parte de profissionais das áreas da saúde e da segurança social;
d) Aceder a informação que, em articulação com os serviços de saúde, esclareçam a pessoa cuidada e o cuidador informal sobre a evolução da doença e todos os apoios a que tem direito;
e) Aceder a informação relativa a boas práticas ao nível da capacitação, acompanhamento e aconselhamento dos cuidadores informais;
f) Usufruir de apoio psicológico dos serviços de saúde, sempre que necessário, e mesmo após a morte da pessoa cuidada;
g) Beneficiar de períodos de descanso que visem o seu bem-estar e equilíbrio emocional;
h) Beneficiar do subsídio de apoio ao cuidador informal principal, nos termos previstos neste Estatuto;
i) Conciliar a prestação de cuidados com a vida profissional, no caso de cuidador informal não principal;
j) Beneficiar do regime de trabalhador-estudante, quando frequente um estabelecimento de ensino;
k) Ser ouvido no âmbito da definição de políticas públicas dirigidas aos cuidadores informais.

E aos deveres do cuidador informal são os seguintes:

a) Atender e respeitar os seus interesses e direitos;
b) Prestar apoio e cuidados à pessoa cuidada, em articulação e com orientação de profissionais da área da saúde e solicitar apoio no âmbito social, sempre que necessário;
c) Garantir o acompanhamento necessário ao bem-estar global da pessoa cuidada;
d) Contribuir para a melhoria da qualidade de vida da pessoa cuidada, intervindo no desenvolvimento da sua capacidade funcional máxima e visando a autonomia desta;
e) Promover a satisfação das necessidades básicas e instrumentais da vida diária, incluindo zelar pelo cumprimento do esquema terapêutico prescrito pela equipa de saúde que acompanha a pessoa cuidada;
f) Desenvolver estratégias para promover a autonomia e independência da pessoa cuidada, bem como fomentar a comunicação e a socialização, de forma a manter o interesse da pessoa cuidada;
g) Potenciar as condições para o fortalecimento das relações familiares da pessoa cuidada;
h) Promover um ambiente seguro, confortável e tranquilo, incentivando períodos de repouso diário da pessoa cuidada, bem como períodos de lazer;
i) Assegurar as condições de higiene da pessoa cuidada, incluindo a higiene habitacional;
j) Assegurar, à pessoa cuidada, uma alimentação e hidratação adequadas.

MEDIDAS DE APOIO AO CUIDADOR

O Estatuto consagra uma série de medidas de apoio ao cuidador:

Medidas destinadas a informar e a capacitar, bem como a assegurar apoio psicossocial ou participação em grupos de ajuda mútua:

a) Identificação de um profissional de saúde como contacto de referência, de acordo com as necessidades em cuidados de saúde da pessoa cuidada;
b) Aconselhamento, acompanhamento, capacitação e formação para o desenvolvimento de competências em cuidados a prestar à pessoa cuidada, por profissionais da área da saúde, no âmbito de um plano de intervenção específico;
c) Participação ativa na elaboração do plano de intervenção específico a que se refere a alínea anterior;
d) Participação em grupos de autoajuda, a criar nos serviços de saúde, que possam facilitar a partilha de experiências e soluções facilitadoras, minimizando o isolamento do cuidador informal;
e) Formação e informação específica por profissionais da área da saúde em relação às necessidades da pessoa cuidada;
f) Apoio psicossocial, em articulação com o profissional da área da saúde de referência, quando seja necessário;
g) Aconselhamento, informação e orientação, tendo em conta os direitos e responsabilidades do cuidador informal e da pessoa cuidada, por parte dos serviços competentes da segurança social, bem como informação sobre os serviços adequados à situação e, quando se justifique, o respetivo encaminhamento;
h) Aconselhamento e acompanhamento, por profissionais da área da segurança social ou das autarquias, no âmbito do atendimento direto de ação social;
i) Informação e encaminhamento para redes sociais de suporte, incentivando o cuidado no domicílio, designadamente através de apoio domiciliário.

Medidas destinadas ao descanso do cuidador informal:

Com o objetivo específico de assegurar o descanso do cuidador informal, este pode beneficiar das seguintes medidas:

a) Referenciação da pessoa cuidada, no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), para unidade de internamento, devendo as instituições da RNCCI e da RNCCI de saúde mental assegurar a resposta adequada;
b) Encaminhamento da pessoa cuidada para serviços e estabelecimentos de apoio social, designadamente estrutura residencial para pessoas idosas ou lar residencial, de forma periódica e transitória;
c) Serviços de apoio domiciliário adequados à situação da pessoa cuidada, nas situações em que seja mais aconselhável a prestação de cuidados no domicílio, ou quando for essa a vontade do cuidador informal e da pessoa cuidada.

Prevêem-se ainda outras medidas:

a) Criação do subsídio ao cuidador informal principal;
b) Majoração do subsídio quando o cuidador adere ao seguro social voluntário;
c) Acesso ao seguro social voluntário;
d) Promoção da integração no mercado de trabalho, findos os cuidados prestados à pessoa cuidada.

SUBSÍDIO DE APOIO AO CUIDADOR INFORMAL PRINCIPAL

Destina-se apenas ao cuidador informal principal e será atribuído pelo subsistema de solidariedade mediante condição de recursos;
O subsídio será pois definido uma vez verificada a condição de recursos, sendo que esta depende de o rendimento relevante do agregado familiar do cuidador familiar principal não ser superior a uma percentagem do indexante dos apoios sociais (IAS) em vigor.

Há que aguardar por diploma próprio para saber quais as condições determinantes da verificação da condição de recursos, qual o valor de referência do subsídio de apoio ao cuidador informal principal e qual o montante da prestação, bem como os termos da atribuição, pagamento e cessação da majoração (quando o cuidador opta pelo seguro social voluntário).

Também quanto à composição e rendimento relevante do agregado familiar há que aguardar pela regulamentação uma vez que, embora se remeta para os termos da lei também se diz: “sem prejuízo das excepções e especificidades que venham a ser definidas em diploma próprio.”

E relativamente à possibilidade de cumulação com outras pensões há que aguardar por diploma próprio.

PROMOÇÃO DA INTEGRAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO DO CUIDADOR INFORMAL

O cuidador informal principal, devidamente reconhecido, que tenha prestado cuidados por período igual ou superior a 25 meses, é equiparado a desempregado de muito longa duração para efeitos de acesso à medida de incentivo à contratação prevista no Decreto-Lei n.º 72/2017, de 21 de junho, com as especificidades previstas nos números seguintes.

A medida de isenção do pagamento de contribuições, no âmbito do número anterior, é aplicável na celebração de contrato de trabalho sem termo que ocorra no prazo de seis meses após a cessação da prestação de cuidados.
É obrigatória a inscrição no centro de emprego após a cessação da prestação de cuidados, sendo afastadas as condições de tempo de inscrição e de idade do trabalhador.

ARTICULAÇÃO ENTRE A VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL

Para o cuidador informal não principal, estabelece-se que o mesmo possa beneficiar de medidas que promovam a conciliação entre a atividade profissional e a prestação de cuidados, nos termos a definir na lei. Nomeadamente:

  • Durante os períodos de trabalho a tempo parcial do cuidador informal não principal há lugar a registo adicional de remunerações por equivalência à entrada de contribuições por valor igual ao das remunerações registadas a título de trabalho a tempo parcial efetivamente prestado, com o limite do valor da remuneração média registada a título de trabalho a tempo completo, mediante comunicação do facto, por parte do trabalhador, à instituição de segurança social que o abranja, nos termos a definir em diploma próprio.
  • Nas situações em que haja cessação da atividade profissional por parte do cuidador informal principal, e quando não haja reconhecimento do direito ao subsídio de desemprego, há lugar ao registo por equivalência à entrada de contribuições pelo período máximo de concessão do subsídio de desemprego aplicável ao seu escalão etário, nos termos do regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem.
  • Quando da cessação da atividade profissional prevista no número anterior resultar a concessão de subsídio de desemprego, há lugar a registo adicional por equivalência à entrada de contribuições, findo o período de concessão do subsídio de desemprego e pelo período remanescente até perfazer o período máximo de concessão aplicável ao escalão etário.

O registo por equivalência à entrada de contribuições previstas nos nºs 7 e 8 é efetuado nos termos do artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11 (Regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem).

DIREITOS DA PESSOA CUIDADA:

A pessoa cuidada tem direito a:
a) Ver cuidado o seu bem-estar global ao nível físico, mental e social;
b) Ser acompanhada pelo cuidador informal, sempre que o solicite, nas consultas médicas e outros atos de saúde;
c) Privacidade, confidencialidade e reserva da sua vida privada;
d) Participação ativa na vida familiar e comunitária no exercício pleno da cidadania, quando e sempre que possível;
e) Autodeterminação sobre a sua própria vida e sobre o seu processo terapêutico.
f) Ser ouvida e manifestar a sua vontade em relação à convivência, ao acompanhamento e à prestação de cuidados pelo cuidador informal;
g) Aceder a atividades ocupacionais, de lazer e convívio, sempre que possível;
h) Aceder a equipamentos sociais destinados a assegurar a socialização e integração social, designadamente centros de dia e centros de convívio;
i) Sendo menor e quando tal seja adequado, que lhe sejam garantidas medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, de acordo com o Regime Jurídico da Educação Inclusiva, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho;
j) Proteção em situações de discriminação, negligência e violência;
k) Apoio, acompanhamento e avaliação pelos serviços locais e outras estruturas existentes na comunidade.

DEVERES DA PESSOA CUIDADA:

O estatuto prevê que a pessoa cuidada deve participar e colaborar, tendo em conta as suas capacidades, no seu processo terapêutico, incluindo o plano de cuidados que lhe são dirigidos.

Feita uma breve resenha dos principais aspectos contemplados no Estatuto do Cuidador Informal, resta-nos aguardar pela regulamentação desta Lei o que deverá, segundo esta mesma Lei, acontecer nos próximos 120 dias.

Maria do Rosário Zincke dos Reis