“Há espaço para maior envolvimento dos doentes na avaliação de novos medicamentos”, concluiu-se na primeira sessão da Innovation Talks

Primeira edição das “Innovation Talks” promovida pela Plataforma Saúde em Diálogo decorreu no dia 20 de junho, em Lisboa. Da sessão saiu a necessidade de se reforçar o envolvimento dos doentes em todo o processo de avaliação de novos medicamentos, em especial na Comissão técnica que faz esta avaliação.

 

Os doentes devem estar mais envolvidos no processo de avaliação que possibilita o acesso a terapêuticas inovadoras. Esta foi uma conclusão comum entre os participantes da primeira edição das “Innovation Talks: Ligados pela inovação em saúde”, que decorreu no dia 20 de junho, na Associação Nacional das Farmácias (ANF). A sessão, dedicada ao tema da “Avaliação de Tecnologias de Saúde”, contou com o apoio da AstraZeneca, e juntou especialistas e representantes de doentes numa discussão alargada sobre o envolvimento do doente no atual processo de avaliação de novos medicamentos.

Na abertura, Jaime Melancia, presidente da Plataforma Saúde em Diálogo, deixou o alerta para a necessidade de se acelerar o processo de disponibilização de novos medicamentos em Portugal.

Apesar de Portugal apresentar uma taxa de disponibilidade de medicamentos inovadores de 50%, correspondente a 83 medicamentos, superior à média europeia que é de 43%, correspondente a72 fármacos (de acordo com os recentes dados do Patients W.A.I.T. – Waiting to Access Innovative Therapies, promovido pela Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas), é simultaneamente o quinto pior país do grupo quando se analisa o tempo para que um doente tenha acesso a um novo medicamento (710 dias, muito distante dos 126 dias registados na Alemanha).

“Se, por um lado, estas terapêuticas podem ser a única réstia de esperança para tratar determinada patologia, por outro, sabemos que se trata de medicamentos com preços muito elevados, o que motiva este dilema ético entre a necessidade de tratar e a sustentabilidade financeira”, afirmou Jaime Melancia.

Eduardo Costa, presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES), foi o keynote speaker da sessão, focando a sua apresentação na forma como funciona o processo de avaliação de tecnologias de saúde (ATS) no país, relembrando que os processos de financiamento implicam uma avaliação farmacoterapêutica e económica que permitem apoiar o processo de negociação, de modo a garantir que as decisões de financiamento são baseadas em evidência. Contudo, alertou também que, no limite, a decisão é política..

O economista recordou que “os doentes já estão envolvidos em várias fases do processo de ATS”, algo que é “fundamental” no processo, contudo, reconheceu que “há espaço para um maior envolvimento dos doentes noutras fases do processo de avaliação de novos medicamentos”.

Eduardo Costa alertou, ainda, para a entrada em vigor em 2025 do novo regulamento europeu para a ATS, cuja aplicação será gradual e, numa primeira fase, irá abranger apenas novos medicamentos oncológicos e terapias avançadas.

“Há o risco de perdermos o foco com dois processos a decorrer em paralelo pois, apesar de haver um novo processo, a maioria dos medicamentos vai continuar a ser avaliado ao abrigo do processo atual. Esta é, contudo, uma oportunidade para harmonizar metodologias a nível europeu e otimizar o processo.”

Já a mesa-redonda foi dedicada aos “Desafios e oportunidades à participação dos doentes no processo de ATS”, com Pedro Faleiro a fazer um balanço sobre o Projeto INCLUIR, do Infarmed, uma iniciativa que visa promover o envolvimento das pessoas com doença, em particular as entidades que os representam, em diferentes processos do Infarmed, nomeadamente na avaliação de tecnologias de saúde.“Desde 2017, já contámos com a colaboração de associações em 60% processos de ATS. A nossa preocupação é alargar as oportunidades de participação e vamos continuar a fazê-lo”, sublinhou.

Tamara Milagre, presidente da Associação EVITA, considerou a iniciativa do Infarmed uma “tentativa de inclusão da visão dos representantes dos doentes numa fase inicial do processo de ATS”, mas apontou a “complexidade” da informação que é pedida pela entidade, os prazos apertados para resposta, e a dificuldade de acesso aos doentes que estão envolvidos na terapêutica inovadora, alertando que “é necessário ter feedback representativo” para uma ATS eficiente.

A responsável frisou ainda a morosidade na aprovação de medicamentos inovadores e no impacto que podem ter na qualidade de vida dos doentes: “O cancro hereditário surge em idade precoce, é mais agressivo e cada dia conta. Nestes casos, as pessoas não percebem estes tempos de espera. Sei que o Infarmed está a fazer o melhor possível, mas há vários fatores que atrasam.”

Heitor Costa, diretor executivo da APIFARMA, apontou a importância de, durante o processo de ATS, serem tidas em conta diferentes variáveis: “Se o medicamento aumenta o número de dias de trabalho ou se provoca mais absentismo, se reduz custos da Segurança Social, se reduz custos pagos pelos nossos impostos, isso tudo deve ser contabilizado”.

Por seu lado, Joaquim Brites, presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares, frisou que a “transparência é necessária em tudo o que diga respeito aos avanços tecnológicos” e reforçou a necessidade de acelerar o processo de ATS. “Muitas vezes, os doentes não têm o tempo que os novos medicamentos demoram a ser aprovados”.

A sessão contou, ainda, com a intervenção inicial de Rosário Trindade, diretora de acesso ao mercado e relações institucionais da AstraZeneca Portugal, que lembrou a importância do doente na avaliação das novas terapêuticas: “Só faz sentido trabalharmos para os doentes se os ouvirmos, se nos sentarmos com eles, se soubermos as suas inquietudes e que preferências têm nos tratamentos”.

O vice-presidente da ANF, Fausto Almeida, sublinhou o “enorme potencial de colaboração das farmácias na geração de real world evidence”. “As farmácias geram uma enorme quantidade de dados que pode ser muito útil na ATS.”

No encerramento, Ana Sampaio, membro da direção da Plataforma Saúde em Diálogo, pediu a inclusão de um representante dos doentes na Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde (CATS) do Infarmed e apelou a uma maior transparência e a um reforço do diálogo entre todos os agentes do setor para uma maior agilização e celeridade deste processo.

“Os doentes são os principais interessados e destinatários finais dos novos medicamentos e têm um direito democrático a serem envolvidos no processo desde início, podendo fornecer informações preciosas, e pontos de vista inovadores”, concluiu Ana Sampaio.

 

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