Os Doentes do Futuro

 

O doente do passado era passivo e obediente, tinha uma relação paternalista com o seu médico, era profundamente crédulo e jamais associava a sua doença com o imperativo de ser estudioso dos estilos de vida adequados às suas possibilidades, literacia em saúde era questão completamente omissa.

Entre as grandes alterações e desafios que se põem para o futuro da saúde, todos saúdam esta exigência de capacitação dos doentes crónicos. Há sérias razões para isso: estamos cada vez mais velhos, temos mais doenças crónicas, estamos sujeitos a diferentes morbilidades e, tantas vezes, os que têm menos poder de compra tratam-se mal, e quem se trata mal ou tem preconceitos na adesão à terapêutica (aqui entendida como saber tirar partido da utilização dos medicamentos graças a um cumprimento rigoroso da terapêutica de acordo com as instruções do profissional de saúde que medica) provoca, como todos os outros nestas condições, enormes desperdícios nos gastos com a saúde e um impressionante número de hospitalizações que não existiriam se os doentes estivessem verdadeiramente capacitados. Sabe-se que caminha para 9 milhões por ano na Europa o número de admissões hospitalares não planeadas, por reações adversas aos medicamentos, das quais 70% dizem respeito a pessoas com 65 anos ou mais. Escusado é dizer que a gestão apropriada destes doentes levaria a poupanças, tão indispensáveis para a sustentabilidade do SNS.

Os estudos independentes corroboram tal evidência: uma melhor gestão da doença crónica acompanhada de uma maior literacia em saúde do doente, e com uma apropriada adesão terapêutica, reduzem admissões hospitalares, entupimentos das urgências e o agravamento das doenças. Reino Unido, Irlanda, Noruega, Dinamarca, Espanha, Bélgica e França são alguns desses países onde decorrem experiências e em que se estabelece uma coordenação entre os serviços e profissionais de saúde, claro está com a garantia absoluta da proteção dos dados pessoais. Por isso se vê com bons olhos o nascimento de um novo quadro de cuidados farmacêuticos personalizados, sempre com o acompanhamento paralelo do médico de família ou do especialista, em que os registos do acompanhamento do doente crónico pelo seu farmacêutico (decisão completamente livre do doente) podem ser analisados a qualquer momento pelo médico ou pelos competentes serviços do Ministério da Saúde. Em certos países já se fala em farmacêutico de referência.

Cresce uma convicção de que estamos a perder muito em não ingressar nesse mundo de transformações, ninguém ignora que no estádio atual é altamente deficitária a gestão da doença crónica através da adesão terapêutica. Os doentes têm direitos e responsabilidades. Faz parte dos deveres do doente crónico pugnar por bom uso do dinheiro público e pela equidade dentro dos sistemas de saúde, como é seu dever pugnar pela literacia em saúde e pela correta adesão terapêutica. Ainda não é demasiado tarde para dar mais esperança a todas as gerações, aprender a dar resposta ao inexorável envelhecimento demográfico e contribuir para que haja mais desigualdades em saúde.

 

Mário Beja Santos

Março, 2019