Crianças e famílias num Portugal em mudança, por Mário Cordeiro

Um dos nomes sonantes da pediatria em Portugal, Mário Cordeiro, publicou na coleção popular da Fundação Francisco Manuel dos Santos uma interessantíssima síntese intitulada “Crianças e famílias num Portugal em mudança”. O professor de pediatria exprime-se com imensa simplicidade, é muito comunicativo, não há enxúndia na sua narrativa.

Há necessidades irredutíveis das crianças: ter casa, escolarização, garantia de emprego dos pais e futuro da criança, saneamento básico, etc; ter amor, ser objeto de afeto, amar e ser amado, gostar/acreditar nas pessoas numa perspetiva positiva; sentir-se único, irrepetível e insubstituível. São um grupo vulnerável e de grande dependência, representa o potencial da sociedade, mas são presente e são futuro.

A estrutura familiar mudou e o ter família é o elemento de maior importância na promoção da saúde e do bem-estar da população infantil e juvenil. O autor enuncia dados fundamentais sobre famílias monoparentais, alargadas e reconstituídas, recorda que a estrutura familiar atual é de poucos filhos, Portugal está na linha da frente dos países com a mais baixa natalidade e não deixa de chamar à atenção para os chamados filhos únicos e mesmo a ordem na fratria, ou seja, o lugar que um filho ocupa na ordem de irmãos, tem implicações de grande importância.

O parto no domicílio não tem hoje quase nenhuma expressão, atualmente em 99,9% das crianças nascem em meio hospitalar, e afirma mesmo que o parto hospitalar é o único que oferece condições de menor riso para a mãe e para a criança. O autor recorda a viragem que ocorreu quando a Dr.ª Leonor Beleza foi ministra da Saúde e constituiu um grupo de trabalho para melhorar os serviços de cuidados de saúde para as crianças. Observa o autor de que o resultado de todos estes esforços foi notável: a taxa de mortalidade perinatal, que era a mais elevada da Europa, desceu rapidamente para níveis que ainda hoje são dos melhores do mundo. Em 2014, Portugal voltou a bater o seu próprio recorde e a colocar-se como um dos cinco melhores países do planeta.

Quanto à doença crónica e deficiência em crianças, Mário Cordeiro recorda que é de cerca de 5% a população infantil que pode ter uma forma de deficiência intelectual moderada (expressão que hoje se usa em vez do termo atraso mental). Calcula-se que são diagnosticados em Portugal cerca de 350 casos de cancro infantil (os mais frequentes são as leucemias, os tumores cerebrais e os linfomas. Reportando os dados ao Inquérito Nacional de Saúde, calcula-se de 5 a 10% crianças sofram de uma doença crónica.

Entrando na vigilância da saúde, recorda-se que Portugal dispõe de um Programa de Vigilância de Saúde Infantil e Juvenil, que pode ser apontado como exemplo. Na prevenção, registam-se verdadeiros sucessos na saúde oral e na muito boa taxa de vacinação; continua como problema premente o uso inadequado e abusivo de antibióticos, indiciado em toda a Europa como um gravíssimo problema de saúde pública. E o autor alerta: “Temos de ter presente que mais de 85% das doenças das crianças – predominantemente respiratórias e gastroenterites – são de origem viral e que cada doença demora um certo tempo a passar”. O uso indevido de antibióticos deve-se à impaciência dos pais e encarregados de educação que pressionam os médicos e estes muitas vezes facilitam e prescrevem antibiótico.

Explanando sobre a utilização dos serviços, ficamos com dados sobre os dias de doença em casa, as consultas médicas, os serviços hospitalares e o seu funcionamento, bem como o serviço “Saúde 24”.

Os estilos de vida, os traumatismos, ferimentos e ilusões acidentais bem como o quadro legal de proteção da criança e do adolescente são perfeitamente identificados. E conclui: “Num país em crise financeira e económica, mas em crise de esperança e de otimismo, há que passar aos adolescentes – e às crianças e às suas famílias – a ideia de que o mundo é o melhor lugar para se viver”. Leitura preciosa onde se traça um perfil da situação de saúde e bem-estar da criança em Portugal, focando especialmente o grupo etário dos 0-9 anos. Com base em diversos indicadores existentes, o autor avalia as necessidades de saúde e de bem-estar, bem como as causas de mortalidade, doença e o sucesso das estratégias preventivas. Um excelente roteiro para pais educadores.

 

 

Mário Beja Santos

Fevereiro de 2016