Autismo: conceitos, mitos e preconceitos

O livro “Autismo: conceitos, mitos e preconceitos” (por Carlos Nunes Filipe, Verbo, 2012) foi escrito a pensar num público alargado que vai para além dos pais e familiares de pessoas com autismo, extravasa o território dos profissionais de saúde e de educação. Descreve como surgiram e evoluíram as ideias sobre a natureza e a clínica das perturbações do espectro do autismo, analisando depois as principais questões com que se depara quem lida com este tipo de perturbações do desenvolvimento: definição, origem, epidemiologia, diagnóstico, intervenções clínicas e terapêuticas. O autor, professor auxiliar da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, diz que este livro resulta de uma aprendizagem científica, de uma vivência clínica e de um percurso de vida.

E o livro está de facto concebido para satisfazer a curiosidade de um grande público que pretende conhecer mais as perturbações do autismo. A este respeito, o autor adianta que “O facto de as pessoas com autismo partilharem entre si um mesmo conjunto de sinais e sintomas não implica que estes tenham necessariamente a mesma origem ou que o autismo derive de uma causa única”. E estabelece uma distinção entre autismo infantil onde há um défice grave nos padrões de interação social, uma perturbação grave da linguagem, a par de comportamentos estereotipados e interesses restritos e o síndrome de Asperger em que a perturbação da ação social é, por norma, menos acentuada, a restrição de interesses e a adesão a rotina são menos expressivas e a aquisição da fala deverá ter decorrido dentro dos padrões de normalidade, acrescendo que no síndrome de Asperger não deve existir deficiência mental.

Falando do autismo em Portugal refere que a prevalência média à luz do último estudo conhecido centrado em crianças portuguesas em idade escolar foi de cerca de 10/10 000 mas com significativas diferenças regionais. A relação entre rapazes e raparigas neste estudo foi de 2:1. Não está provada a existência de uma correlação entre quaisquer agentes do meio (caso de vacinas, regimes alimentares, álcool ou tabaco) e eventuais aumentos de incidência de autismo. Acrescentando o autor que “A divulgação de informações absolutamente infundadas sobre possíveis agentes causadores ou potenciadores do aparecimento de casos de autismo tem levado a que muitos pais continuem, por exemplo, a evitar vacinar os seus filhos, incorrendo em riscos graves, ou a sujeitarem-nos a práticas dietéticas ou medicamentosas completamente desajustadas.

Quanto ao diagnóstico, o autor distingue o diagnóstico antes dos dois anos de idade, dos dois aos seis anos de idade e depois até à adolescência, e depois refer os tipos de perturbação mais evidentes: comunicação verbal (perturbação da fala, mimetismo do discurso, alterações de entoação); comunicação não-verbal (pobreza de gestos, as modificações da expressão facial não acompanha o discurso, posturas corporais exageradas, por exemplo; perturbação da interação social que assume diferentes nuances mas é frequentemente inadequado, manifestando-se pelo incumprimento de regras sociais; as pessoas com autismo têm comportamentos repetitivos, fixação em rotinas e marcada resistência à mudança, tendem a seguir rotinas, por vezes de forma extremamente rígida, ficando muito perturbados quando qualquer acontecimento impede ou modifica essas rotinas; são igualmente frequentes as alterações do comportamento motor (caso do balanceamento do corpo ou tiques vocais); capacidades especiais ou invulgares. O diagnóstico de autismo é clínico, se bem que existam instrumentos de avaliação de grande utilidade.

Continua-se sem saber as causas das perturbações do autismo, fala-se em genética, mas o autor considera que “A identificação de possíveis genes implicados na origem do autismo aponta para uma muito segura multicausalidade. Diversos genes candidatos têm sido referidos como implicados em possíveis alterações. As alterações encontradas nas perturbações do autismo não são possíveis de explicar a partir de teorias cognitivas simples”. E conclui: “Por terem dificuldade em percecionar o todo (que sabemos ser muito mais que a simples soma das partes) e em construir conceitos abstratos, as pessoas com uma perturbação do autismo leem o mundo de uma forma diferente. Isto não e deve ao facto de terem tido vivências muito diferentes das nossas mas ao facto de as processar de forma distinta”.

No tocante a intervenções não médicas nas perturbações do autismo, o autor admite que não haja cura se pensarmos no autismo como sendo resultante de um transtorno grave que ocorre durante o desenvolvimento do sistema nervoso central e adianta que “O acompanhamento adequado que se segue ao diagnóstico deve facultar o treino de competências, o suporte familiar e o apoio psicológico e psiquiátrico”. No fundo, o modelo de intervenção visa modificar comportamentos considerados desajustados mas esclarece que não há terapias universais. Debruça-se sobre o ensino especial à luz do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro e da Lei 21/2008, de 12 de Maio, ponderando os prós e contras do ensino inclusivo e do ensino especial. No tocante às terapêuticas farmacológicas, refere que não existe terapêutica medicamentosa para o autismo, “há, contudo, medicamentos que provam ser eficazes no tratamento dos transtornos psiquiátricos em pessoas com autismo ou quando é difícil controlar por outros métodos a ocorrência de alterações graves de comportamento” e tece considerações sobre o recurso à terapêutica psicofarmacológica e os aspetos fundamentais a ter em consideração sobre o uso de medicamentos.

É frequente haver outras doenças em pessoas com perturbações de autismo: epilepsias, perturbações de humor (caso da depressão), hiperatividade com défice de atenção, são os casos mais frequentes. E depois discreteia sobre alguns problemas comuns na adolescência, referindo concretamente a sexualidade.

Em jeito de conclusão, o autor considera que estas perturbações podem ser apresentadas acima de tudo como perturbações da socialização intendendo-a no seu sentido mais lato (capacidade de perceber, usar e dominar adequadamente as linguagens que permitem uma interação competente com a sociedade em que o indivíduo se inscreve. Termina, enfatizando que não cura para o que se designa por autismo: “Esta afirmação, que não parceria estranha, se se referisse a outras perturbações do neurodesenvolvimento (caso da paralisia cerebral e da trissomia 21) só é encarada com estranheza porque as pessoas com autismo têm, na sua maioria, uma aparência absolutamente normal. O que, acredito, o melhor conhecimento da natureza do autismo nos poderá dar, ainda durante a nossa geração, é a possibilidade de prevenir algumas das suas formas e manifestações.

 

 

Mário Beja Santos

Julho de 2012