“A Nova Era Digital”, por Eric Schmidt e Jared Cohen, Publicações Dom Quixote, 2013, é a obra de dois visionários que traçam um quadro pragmático e inspirador do que se prevê no paradigma digital. A leitura é atraente, veja-se logo a arrancada: “A internet é a maior experiência histórica do âmbito da anarquia. A cada minuto, centenas de milhões de pessoas criam e consomem uma quantidade incalculável de conteúdo digital no mundo online que não conhece, verdadeiramente, os limites das leis humanas. Esta nova capacidade de livre expressão e livre-trânsito de informação deu origem à rica paisagem virtual que hoje conhecemos. Considere o número de websites que alguma vez visitou, os emails todos que já enviou e todos os artigos que já leu online, todos os factos de que soube e todas as ficções que encontrou e descartou. Considere todas as relações estabelecidas, todas as viagens planeadas, todos os trabalhos que encontrou e todos os sonhos nascidos, alimentados e concretizados através desta plataforma. Considere também o que a ausência de controlo hierárquico permite: as vigarices online, as campanhas de intimidação, os websites de grupos de ódio e os chat-rooms de terroristas. É assim a internet: o maior espaço sem lei do mundo”.
Logo o primeiro capítulo é apaixonante, nós no futuro. Basta pensar nos aspetos promissores que se põem à saúde e à qualidade de vida. O que sugerem é atraente, redentor, a acontecer o que vaticinam alterar-se-á o que hoje entendemos por dor, sofrimento e doença. Observam o seguinte:
“Os progressos na saúde e na medicina do futuro próximo contar-se-ão entre os desenvolvimentos mais significativos e revolucionários. Os avanços no diagnóstico e tratamento de doenças, a gestão dos registos médicos e o constante acompanhamento da saúde individual prometem um acesso mais equitativo à informação e aos cuidados de saúde potencialmente por parte de milhões de pessoas, se juntarmos ao cenário a expansão da tecnologia digital.
Cedo começaremos a beneficiar de uma gama de trunfos físicos destinados a monitorizar o nosso bem-estar, como robôs microscópicos correndo no nosso sistema sanguíneo para medirem a tensão arterial ou para detetarem os primeiros sintomas de doença cardíaca e identificarem cancros em fase inicial. A nova anca de titânio do seu avô conterá um chip capaz de funcionar como pedómetro, monitorizar os índices de insulina para identificar as fases iniciais da diabetes, e até desencadear um telefonema automático para uma linha de emergência. E teremos à nossa disposição um pequeno implante nasal que nos alertará para a presença de toxinas no ar ou para os primeiros sinais de uma constipação.
Com o tempo, estes dispositivos tornar-se-ão tão normais como um pacemaker. Eles são meras extensões lógicas das autuais aplicações de monitorização da saúde individual, que permitem às pessoas usar o telemóvel para gravar o seu programa de exercício, identificar o índice de metabolismo ou manter um registo dos níveis de colesterol.
A tecnologia de saúde para ingerir é coisa que já existe: está aprovada a primeira pílula eletrónica desde 2012, a pílula transporta um pequeno sensor de 1 mm2. Quando se engole, os ácidos do estômago ativam um circuito, o qual envia um sinal para um pequeno adesivo colado à pele, que por sua vez transmite os dados para o telemóvel. O adesivo pode recolher informações sobre a reação de um paciente a determinada droga, transmitir ao médico informação sobre a regularidade do uso e até monitorizar o que o indivíduo come. Para as vítimas de doenças crónicas e, em particular, para os idosos, esta tecnologia trará progressos significativos: alarmes automáticos para medicamentação, a possibilidade de medir diretamente o efeito das drogas no organismo do indivíduo e a criação de um ciclo instantâneo e permanente de feedback digital entre doente e médico.
Os progressos nas análises genéticas desembocaram numa era de medicina personalizada. Mediante análises específicas e o sequenciamento do genoma, clínicos gerais e especialistas obterão mais informação do que nunca acerca dos pacientes e daquilo que os pode curar. Apesar dos constantes avanços médicos, as reações graves a medicamentos receitados continua a ser uma das principais causas de hospitalização e morte. Tradicionalmente, as empresas farmacêuticas desenvolvem os novos produtos segundo uma perspetiva de receita universal, mas isto está a destinado a mudar com os progressos continuados na área da farmacogenética. Análises genéticas mais rigorosas diminuíram a probabilidade de reações negativas, aumentarão as hipóteses do paciente e proporcionarão aos médicos e investigadores científicos mais dados para analisar e utilizar.
No mínio, a utilização de telemóveis proporciona às pessoas um outro nível de participação na gestão da sua saúde individual, embora, como é evidente, os telemóveis não possam curar doenças. Mas as pessoas podem usar os seus telemóveis para aceder a informação sobre prevenção sanitária ou convalescença. Podem recorrer a ferramentas básicas carregadas nos seus telemóveis – talvez não radiografias mas câmaras e gravações áudio. Uma mulher pode tirar uma fotografia de uma lesão, ou gravar uma tosse, e enviar a informação para um médico ou profissional de saúde, com quem pode depois interagir remota, eficaz, económica e privadamente. Soluções digitais como estas não o substituto ideal para um setor de saúde plenamente funcional, mas, entretanto, podem proporcionar nova informação e interações que, ao menos, amenizarão um problema multigeracional mais amplo e mais intrincado”.
Se a era digital afetou, afeta e afetará o mundo, o que aqui é referido no campo da saúde deixou de pertencer ao domínio da ficção científica, temos sinais promissores que vão escancarar novas terapêuticas, permitir novos medicamentos e a utilização de inúmeros artefactos para melhorar a qualidade de vida, e em área alguma mais do que na saúde. A “saúde móvel” é hoje responsável por inúmeros progressos e os telemóveis já fazem e continuam a fazer parte da revolução da saúde.
“A Nova Era Digital” é um livro de esperança e uma elegia ao otimismo. É do maior interesse ler esta obra estimulante em que o digital é tratado a pensar na democracia, no entrave ao terrorismo, na segurança e na privacidade, enfim, temos aqui o fascinante de inovações tecnológicas e continuarão a dar às pessoas no mundo inteiro oportunidades para melhorar as suas próprias vidas.
Mário Beja Santos
Fevereiro de 2014